O Governo angolano terá de duplicar o preço do litro de gasolina e de gasóleo em oito meses, para eliminar os subsídios que atribui à petrolífera estatal Sonangol para manter os preços baixos, estima o FMI. E com isso tudo vai aumentar em cadeia, até mesmo o “residual” número de pobres – 20 milhões.
A informação consta das conclusões da missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) no âmbito das consultas regulares com as autoridades angolanas, ao abrigo do Artigo IV, realizadas este ano. Nada de novo, portanto. A receita, com pequenos ajustes, é sobejamente conhecida.
“A missão estima que os preços da gasolina e do gasóleo precisariam ser ajustados em 100%, para eliminar os subsídios que são actualmente absorvidos pela Sonangol”, lê-se no documento, de Junho.
Se esta recomendação fosse atendida, o preço do litro de gasolina em Angola subiria para 320 kwanzas (1,14 euros) e o do gasóleo para 270 kwanzas (0,96 cêntimos). Coisa pouca para uma economia como a angolana…
Tal como no período entre 2014 e 2016, em que o Governo já reduziu os subsídios aos preços, este ajustamento, segundo a missão do FMI, “poderá ser implementado gradualmente ao longo dos próximos oito meses”, de forma a “suavizar o impacto na inflação” que agora está acima dos 20%.
Ao abrigo desta estratégia, os restantes subsídios ao combustível em 2018 “seriam parcialmente absorvidos pela Sonangol”, através de margens de lucro e comercialização mais baixas e em parte pelo Orçamento Geral do Estado (OGE), que alocou 0,75% do Produto Interno Bruto para gastos com estes subsídios a preços, recorda o FMI.
No OGE para 2018, o Governo angolano inscreveu uma verba de 187.273 milhões de kwanzas (670 milhões de euros, à taxa de câmbio actual), apenas para a rubrica de “subsídios a preços”, essencialmente combustíveis.
Para o FMI, ajustar o valor de venda dos combustíveis serviria para “reflectir as mudanças nos preços internacionais” e na taxa de câmbio, introduzindo “um mecanismo automático de ajuste de preços”.
Apesar de ser o segundo maior produtor de petróleo em África, Angola importa cerca de 80% dos combustíveis que consome, devido à reduzida capacidade de refinação interna. Esta realidade aliada à inexistente diversificação da economia, apregoada pelo MPLA há dezenas de anos ma que, na verdade, continua a ser uma miragem.
Para manter os preços artificialmente baixos, o Governo atribui subsídios aos combustíveis.
O presidente da Sonangol, Carlos Saturnino, admitiu a 13 de Junho que o Governo angolano está a avaliar a possibilidade de aumento do preço dos combustíveis, para responder à variação do câmbio ditada pelo mercado internacional.
O responsável avançou que a actualização dos preços dos produtos refinados é realizada numa acção conjunta entre diferentes entidades, nomeadamente a parte empresarial e de gestão governativa, tomando-se em consideração muitas variáveis, sobre as componentes do preço de cada um dos produtos.
“Neste momento, podemos informar que existem faz algum tempo, embora não tenha sido noticiado, equipas de trabalho entre as entidades empresariais do grupo Sonangol e o Governo liderado pelo Ministério das Finanças, estão a trabalhar há várias semanas senão meses, porque o assunto é complexo”, referiu.
Reforçou que o assunto envolve “aspectos de índole empresarial, em termos de custos”, havendo ainda os de cariz macroeconómicos, “como a inflação, ambiente empresarial, custo de vida da população, nível de rendimento salariais”.
Sobre se haverá e quando aumento do preço dos combustíveis, Carlos Saturnino remeteu o assunto para o Ministério das Finanças.
“Não sei se os preços vão subir, seria muito prematuro a Sonangol fazer uma afirmação desse género”, disse, acrescentando que, “isto é assunto que o Ministério das Finanças em algum tempo poderá pronunciar-se”.
O gasóleo deixou de ser comparticipado pelo Estado em 1 de Janeiro de 2016, passando ao regime de preço livre, tal como acontecia desde Abril de 2015 com a gasolina.
Estas alterações – quarto aumento de preços em menos de dois anos – foram então implementadas pela Sonangol, com o litro de gasóleo a passar a custar 135 kwanzas, face aos anteriores 90 kwanzas. Em simultâneo, o preço do litro de gasolina – que já estava em regime de preço livre – passou a custar 160 kwanzas, contra os anteriores 115 kwanzas, preços que ainda se mantêm em vigor actualmente.
Angola gastou mais de 1.200 milhões de euros para manter os preços dos combustíveis artificialmente baixos em todo o ano de 2015, segundo dados recentes do Governo angolano.
De acordo com a Conta Geral do Estado de 2015, publicada em Março último pela Assembleia Nacional, em causa estão subvenções públicas atribuídas aos diferentes combustíveis derivados do petróleo através da Sonangol. Ascenderam em todo o ano de 2015 a 185.470 milhões de kwanzas (1.248 milhões de euros à taxa de câmbio de então).
Estas subvenções envolveram, além da concessionária angolana Sonangol, também a venda de combustíveis nas empresas privadas Sonangalp (parceria da Sonangol com a portuguesa Galp) e Pumangol.
Só em 2013, antes do início da crise petrolífera que ainda afecta as finanças do país, Angola gastou 710 mil milhões de kwanzas com estes subsídios, o equivalente à taxa de câmbio de então, a cerca de 6.000 milhões de euros, mas o Governo, conforme sugerido pelo FMI, iniciou um programa de reforma das subvenções aos combustíveis.
A caminho da implosão social
O aumentou o preço dos combustíveis vai ajudar à implosão da vida dos angolanos num momento particularmente difícil para a vida de todos, principalmente dos que se consideravam da classe média.
“Esta actualização reflecte a compromisso do Governo em continuar a melhorar a despesa e eliminar, de forma gradual, os subsídios que incidem sobre os preços fixados de venda ao público”, sublinhará o Ministério das Finanças, indiferente ao impacto brutal que esse aumento terá na vida dos angolanos.
Recorde-se que o aumento dos preços dos combustíveis em 2014 surgiu precisamente três dias depois de uma missão do FMI ter iniciado uma visita de trabalho a Angola, para – como agora – prestar assistência técnica ao Governo na reforma do programa de subsídios aos combustíveis.
De acordo com informação do Ministério das Finanças, de 24 de Setembro de 2014, esta missão pretendia “avaliar” a estrutura e a incidência de subsídios angolanos à energia, os efeitos sobre competitividade e “propor uma estratégia que permite uma redução” nesses apoios “que compense o custo social e económico” da sua remoção.
Recorde-se que durante a visita que promoveu a Angola entre 14 e 16 de Setembro de 2014, o director-geral adjunto do FMI, Naoyuki Shinohara, assumiu a disponibilidade da instituição no apoio técnico ao executivo angolano, defendendo uma revisão da política angolana de subsídio aos combustíveis, para “racionalizar” os recursos financeiros públicos e alargar os apoios sociais, recordando que estes custavam 4% PIB.
Uma “racionalização” destes subsídios, disse Naoyuki Shinohara, permitiria, por exemplo, “libertar recursos” para expandir a rede social angolana ou fortalecer o sector petrolífero a médio prazo.
Do ponto de vista interno, continuando o MPLA firmemente colocado e colado ao Poder, a ordem superior volta a ser a de o Governo trabalhar para os poucos que têm milhões, mandando os milhões que têm pouco… ou nada para as lavras procurar mandioca. Não cumpre as promessas e nem se preocupa.
Se os angolanos catalogassem as promessas feitas e não cumpridas não fariam, certamente, outra coisa.
Recorde-se que o regime, sem qualquer fundamento de racionalidade económica, e para afectar a maioria de uma população activa que começava a sonhar com carro próprio para dignificar a profissão e a própria condição de cidadania, nomeadamente os professores, enfermeiros e outros técnicos, cujos salários não dão para comprar um carro novo, proibiu a importação de viaturas com mais de três anos.
Foi uma medida para decapitar a esperança de uma classe remediada, levando por arrasto todos os serviços contíguos de pequenas e médias empresas, como são as oficinas. É claro que a estratégia foi basilar para que os estrangeiros, em sociedade com altos dignitários do regime, avançassem com a abertura de stands de carros novos, só ao alcance da alta classe dirigente e afins.
E com a subida dos combustíveis os aumentos dos restante produtos vão acontecer em cadeia. Num país onde a energia normal é o gerador, tudo, absolutamente tudo, vai aumentar de custo para a maioria dos autóctones, com realce para os mais pobres que, apesar de poucos (os tais 20 milhões), merecem respeito.
Quando as contas dão zebra pelos enormes desvios praticados pela legião de corruptos alojados no poder ou vivendo da babugem inerente, logo vem a solução miraculosa de tirar a quem pouco tem para dar a quem tudo tem. Era assim nas monarquias absolutistas, é assim nas ditaduras monárquicas como a nossa.
Em Angola quem sente o aumento é a maioria que tem um gerador porque, importa não esquecer, é a única forma de contornar a incompetência do regime em fornecer energia eléctrica. É claro que o problema não se coloca aos dirigentes políticos e militares que recebem senhas, tendo alguns um plafond ilimitado. Não é rato ver que nos quartéis, por exemplo, os altos dirigentes atestam sempre que querem as viaturas da mulher, dos filhos, dos irmãos, dos primos, dos tios, das amantes etc..
E nesse inevitável aumento em cadeia, lá vão subir os preços das propinas, do pão, porque 99,9 % das padarias funcionam com gerador. Os produtos agrícolas, o peixe, a fuba, tudo vai mesmo ficar pela hora da morte. Mas só fica para a esmagadora maioria. Os outros, os que mandam, nem dão conta disso.
É claro que o regime está a escancarar as portas e as janelas para o início das grandes e ininterruptas manifestações populares em busca da sua soberania.
Folha 8 com Lusa